Me lembro do dia em que parti e parti sabendo que voltaria, que era uma ida banal mas necessária, uma intervenção cirúrgica e eu regressaria, mas ainda assim, eu me lembro do dia em que parti.
Eu lia um livro daqueles que marcam, que marcam muito. Me sentei do lado esquerdo, na poltrona da esquerda, de modo a olhar a janela. Eu sempre amei as estradas, todas, sempre as amei. Amei e amo as estradas porque nelas sinto materializadas todas as minhas necessidades de fuga, naquele momento eu fugia da dor do ano, do momento, da minha vida, da solidão e também do motivo que me levava à uma cirurgia, mas isso era o de menos, eu amava as estradas.
Mais do que amar as estradas, eu amo as estradas à noite e amo a fuga. Me lembro que do meu lado se colocou uma senhora, não me deu trabalho, eu lia meu livro, observava a paisagem e amava a noite que arrumava no céu todos os astros e me mostrava, assim como ora escondia a luminosidade. Eu olhava ainda as pessoas, outra coisa que amo, olhar as pessoas.
Eu olhava as pessoas porque nas estradas escuras eu fugia e fugia sabendo que estava fugindo, as olhava sabendo que elas também fugiam, e que fugiam sabendo que estávamos todos fugindo pro mesmo lugar. Que fuga inútil!
Eu levava na mala as roupas, ora eu fugir sem minhas roupas, jamais. Levava também três ou quatro livros, eu queria fugir mas não queria ficar sozinho, eu e os livros e tudo o que eles me diziam, eu fugia por estradas escuras para os que me viam fugindo, mas eu fugia mesmo era pela escuridão da minha imaginação. Sim, nem mensurável era pra quantas cenas imaginadas fugi por cada linha engolida de cada um dos livros que levei, mas fugia e fugia duplamente, sabendo que de ambas as fugas eu iria voltar.
Levei um computador, a vida é dual eu compreendia, compreendia que fugia pra um lugar onde todo mundo sabia que eu estaria, ora, mas eu não fugia? O computador era para falar com as pessoas de quem eu fugiria se de fato aquilo fosse uma fuga, mas as estradas fugiam.
E fugiam sabendo que a escuridão também fugia e que a cada hora clareava mais, porque eram fugitivas de mim e eu da claridade, as estradas dos pneus e eu da realidade.
Eu só me lembro que fugi indo e que depois fugi voltando, que fugir indo foi melhor do que vindo, sei que o horizonte fugiu mas que eu também fugi do céu e dos astros e das estradas e também da escuridão. Quando fugi era escuro e clareou, quando voltei da fuga era claro e escureceu, eu só me lembro da lembrança que não me foge a mente e da sensação que não me foge ao coração, porque eles não fogem de mim e não fogem sabendo que estão ficando, sabendo que não estão fugindo como eu fugi, duplamente.
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