quinta-feira, 29 de julho de 2010

O café acabou, o fogo apagou e o amor terminou.

Foi assim, numa tarde preguiçosa de Domingo, no Café Xadrez, que a moça de vestido preto e branco gostou do pensamento alto do cavalheiro de preto que bradava aos amigos de mesa as suas filosofias de vida. Foi aconchegada nas palavras firmes que saíam daquela boca eloquente e calavam fundo em suas mais íntimas mazelas, que a donzela guardou na mente cada palavra daquele despretencioso senhor que a vida alí lhe apresentara, por um instante, ela moveu os lábios em silêncio repetindo o que ele dissera como se tentasse escrever letra por letra em sua própria alma, pois sentia ter encontrado verdades para si onde nunca antes havia procurado.
Passou-se a semana e no Sábado lá estava a moça no Café Xadrez, pronta para repetir, talvez em volz alta, as filosofias de seu mais novo orador eleito e não diferente lá estava ele a capitalizar a atenção com suas verdades de mesa para os que quisessem ouvir. As falas do cavalheiro chamavam a atenção da moça tanto quanto os olhos dela focados na mesa dele o faziam sentir certa inquietação e ansiedade por satisfaze-la ao mesmo tempo em que lhe instigava saber o por que de tanta atenção no que dizia.
No Sábado, no mesmo Sábado, mas já a noite, os dois travaram um diálogo acalentado por um imenso brilho, quando em voz alta ela repetiu sem esquecer sequer as vírgulas, os mais fortes versos por ele proferidos.
Por horas a fio e pela madrugada, já fora do Café e em voz alta, foram até o amanhecer se apaixonando e se encontrando onde jamais imaginaram se achar, estavam alí um para o outro e cada um por si sem medo de entrelaçar palavras como quem dá as mãos para seguir em frente sem querer solta-las jamais.
A semana passou, o outro encontro não veio e o sumiço do moço dos versos mágicos fritou na cabeça dela a precipitação de tal romance já que este fora tão rápido ao ponto de que ela já sentia-se possuidora e possuida dele e por ele ao mesmo tempo.
Ele tentou se esconder e tentou fugir, nunca negou que em certos aspectos tinha medo, em outros era moralista demais e em outros simplesmente preferia se abster, mas num Domingo quando descia ao litoral para tentar esquecer quem jamais esquecia, recebeu um bilhete por ela assinado onde o objetivo principal era passar recibo do que ele sentia. Foi o suficiente para que o Domingo fosse regado à saudade, aflição e um bocado de sonhos insanos.
Ele não dormiu, quis ver o sol nascer, as nuvens se ajeitarem no céu, a lua encontrar seu lugar, o oceano deitar as ondas no mar e ele o seu coração por sobre o coração dela. Ele quis jurar para si por um momento, que um dia repetiria a mesma cena, porém, tendo ela ao seu lado.
Veio então a Segunda, a Terça e com ambas as declarações de amor, afeto, carinho, promessas, sonhos e o primeiro sinal de companheirismo quando juntos, resolveram redigir a carta que ela a tanto devia a uma tia do estrangeiro, que sempre a corrigia na escrita, foram momentos mágicos de amor e sintonia, mas passou.
Veio a Quarta e com ela o mal-estar do rumo que a Terça-Feira tomou quando no meio das lembranças ela deixou escorrer uma grama de algumas degradantes experiências de seu pretérito imperfeito, fora demais para aquele coração de poeta tão desprotegido de amar.
O mal-estar se estendeu até a Quinta-Feira, quando o nobre poeta, convencido de que sua dama agora o fingia amar e querer, entendeu que o fim era certo e achou na conversa da amada com o músico da livraria um motivo para fechar-se em desconfiança ao som de um expoente do amor efervescente que sentia.

"Ontem, com esses olhares me feriste. E meu coração quase parou. Agora, longe de mim talvez mentiste. Sonharás com um amor que já passou".

Ele então não queria mais ve-la, porém não conseguia fugir, era inevitável que ele se rendesse aos encantos daquele amor. Naquele instante ele suspirou, bateu na velha mesa onde bradava versos, no velho Café Xadrez onde empenhou dias de sua vida, quando ao olhar para a rua ouviu outra vez Adoniran, sim o velho Adoniran da terra da garoa, resumindo aos ouvidos dele o amor e toda a dor que sentiu por ela naquelas semanas.


"Pode apagar o fogo Mané Que eu não volto mais !"

E assim ele se curvou, já que o fogo do lampião, o fogo do fogão e o fogo da paixão apagaram-se.

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